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Relato




Olhos que se assustam com o branco na Crackolândia.
Olhos que se espantam com o preto na Disneylândia.
Olhos que se acostumam com o pretinho na rodoviária.
Boca que pergunta, cadê sua mãe?
Para o loirinho, na mesma rodoviária.
Cotas não, todos somos igualmente capazes.
Aham, tá!
[Faz o teste do pescoço, qual a cor da tua empregada?
Seu texto é totalmente fora do contexto!
Que texto?
Num falei que era um texto.
Isso se trata,
Na verdade,
De um relato.
Atentem-se para os fatos:
Foi em frente à minha casa,
foi do lado da casa da vó dele,
o tiro atravessou o boné, a voz atravessou a parede.
- Olha a cara de bandido.
Foi também em frente a minha casa,
pela fresta da janela.
Eu moleca não entendia,
Brincadeira de polícia e ladrão,
o ladrão dando a coca pra polícia.
Vou contar só mais uma história,
pro relato não ser tão longo.
Lembra do tiro que atravessou o boné?
Pois é!
Ele estava a pé.
Outro dia lá na mesma rua,
Entrou o vizinho, White color, fugindo dos cana
Depois de agradir a ex mulher.
Fugindo da polícia.
Na quadra dezenove, a da Ceilândia Norte,
A quase cem por hora, era quase três horas.
[Três tiros no pneu
Por bem menos, mata-se um preto.
O racismo segrega, interroga, pergunta de onde vem, e pra onde vai.
Pergunta se é usuário, pergunta o que faz na rua a essa hora, e cheira sua mão.
O racismo chama sarau, de reunião de maconheiros, e então te dá um baculejo.
O racismo mata, depois pergunta se era cidadão.
O racismo mata, depois diz que era suspeito, depois diz que as características batiam com a descrição.
O racismo existe, e ele não é discreto não.
O racismo existe, e ele é sério, caro ouvinte.
[Sério e doloroso,
Negar não muda os fatos.
Nem tampouco elimina os danos, sempre tão danosos.

Suelen Vieira

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